Patativa do Assaré: Poemas de Luta e de Terra
Antônio
Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março
de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município
de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves
da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com D. Belinha, de cujo
consórcio nasceram nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em
1956, Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho
publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros
folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Está
sendo estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular
Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel. Patativa do
Assaré era unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil.
Para chegar onde chegou, tinha uma receita prosaica: dizia que para
ser poeta não era preciso ser professor. 'Basta, no mês de maio,
recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão',
declamava.
Cresceu
ouvindo histórias, os ponteios da viola e folhetos de cordel. Em
pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos
trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para
o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou,
estava consagrado: era o Patativa do Assaré. Nessa época os poetas
populares vicejavam e muitos eram chamados de 'patativas' porque
viviam cantando versos. Ele era apenas um deles. Para ser melhor
identificado, adotou o nome de sua cidade.
Filho
de pequenos proprietários rurais, Patativa, nascido Antônio
Gonçalves da Silva em Assaré, a 490 quilômetros de Fortaleza,
inspirou músicos da velha e da nova geração e rendeu livros,
biografias, estudos em universidades estrangeiras e peças de teatro.
Também pudera. Ninguém soube tão bem cantar
em verso e prosa os contrastes do sertão nordestino e a beleza de
sua natureza. Talvez por isso, Patativa ainda influencie a arte feita
hoje. O grupo pernambucano da nova geração 'Cordel do Fogo
Encantado' bebe na fonte do poeta para compor suas letras. Luiz
Gonzaga gravou muitas músicas dele, entre elas a que lançou
Patativa comercialmente, 'A triste partida'. Há até quem compare as
rimas e maneira de descrever as diferenças sociais do Brasil com as
músicas do rapper carioca Gabriel Pensador. No teatro, sua vida foi
tema da peça infantil 'Patativa do Assaré - o cearense do século',
de Gilmar de Carvalho, e seu poema 'Meu querido jumento', do
espetáculo de mesmo nome de Amir Haddad. Sobre sua vida, a obra mais
recente é 'Poeta do Povo - Vida e obra de Patativa do Assaré' (Ed.
CPC-Umes/2000), assinada pelo jornalista e pesquisador Assis Angelo,
que reúne, além de obras inéditas, um ensaio fotográfico e um CD.
Como
todo bom sertanejo, Patativa começou a trabalhar duro na enxada
ainda menino, mesmo tendo perdido um olho aos 4 anos. No livro 'Cante
lá que eu canto cá', o poeta dizia que no sertão enfrentava a
fome, a dor e a miséria, e que para 'ser poeta de vera é preciso
ter sofrimento'.
Patativa
só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor
Honoris Causa de pelo menos três universidades. Não teve estudo,
mas discutia com maestria a arte de versejar. Desde os 91 anos de
idade com a saúde abalada por uma queda e a memória começando a
faltar, Patativa dizia que não escrevia mais porque, ao longo de sua
vida, 'já disse tudo que tinha de dizer'. Patativa morreu em 08 de
julho de 2002 na cidade que lhe emprestava o nome.
A
terra é nossa
A
terra é um bem comum
Que
pertence a cada um.
Com
o seu poder além,
Deus
fez a grande Natura
Mas
não passou escritura
Da
terra para ninguém.
Se
a terra foi Deus quem fez,
Se
é obra da criação,
Deve
cada camponês
Ter
uma faixa de chão.
Quando
um agregado solta
O
seu grito de revolta,
Tem
razão de reclamar.
Não
há maior padecer
Do
que um camponês viver
Sem
terra pra trabalhar.
O
grande latifundiário,
Egoísta
e usurário,
Da
terra toda se apossa
Causando
crises fatais
Porém
nas leis naturais
Sabemos
que a terra é nossa.
_
A
terra é naturá
Sinhô
doutô, meu ofício
É
servir ao meu patrão.
Eu
não sei fazê comício,
Nem
discurso, nem sermão;
Nem
sei as letra onde mora,
Mas
porém, eu quero agora
Dizê,
com sua licença,
Uma
coisa bem singela,
Que
a gente pra dizer ela
Não
precisa de sabença.
Se
um pai de famia honrado,
Morre,
deixando a famia,
Os
seus fiinho adorado
Por
dono da moradia,
E
aqueles irmão mais véio,
Sem
pensá nos Evangéio,
Contra
os novo a toda hora
Lança
da inveja o veneno
Inté
botá os mais pequeno
Daquela
casa pra fora.
Disso
tudo o resultado
Seu
doutô sabe a verdade,
Pois,
logo os prejudicado
Recorre
às autoridade;
E
no chafurdo infeliz
Depressa
vai o juiz
Fazê
a paz dos irmão
E
se ele for justiceiro
Parte
a casa dos herdeiro
Pra
cada qual seu quinhão.
Seu
doutô, que estudou muito
E
tem boa educação,
Não
ignore este assunto
Da
minha comparação,
Pois
este pai de famia
É
o Deus da Soberania,
Pai
do sinhô e pai meu,
Que
tudo cria e sustenta,
E
esta casa representa
A
terra que Ele nos deu.
O
pai de famia honrado,
A
quem tô me referindo,
É
Deus nosso Pai Amado
Que
lá do Céu tá me ouvindo,
O
Deus justo que não erra
E
que pra nós fez a terra,
Este
planeta comum;
Pois
a terra com certeza
É
obra da natureza
Que
pertence a cada um.
Esta
terra é como o Sol
Que
nasce todos os dia
Brilhando
o grande, o menor
E
tudo que a terra cria.
O
sol clareia os monte,
Também
as água das fonte,
Com
a sua luz amiga,
Protege,
no mesmo instante,
Do
grandaião elefante
A
pequenina formiga.
Esta
terra é como a chuva,
Que
vai da praia a campina,
Molha
a casada, a viúva,
A
véia, a moça, a menina.
Quando
sangra o nevoeiro,
Pra
conquistá o aguaceiro
Ninguém
vai fazê fuxico,
Pois
a chuva tudo cobre,
Molha
a tapera do pobre
E
a grande casa do rico.
Esta
terra é como a lua,
Este
foco prateado
Que
é do campo até a rua,
A
lâmpada dos namorado;
Mas,
mesmo ao véio corcundo,
Já
com ar de moribundo
Sem
amô, sem vaidade,
Esta
lua cor de prata
Não
lhe deixa de ser grata;
Lhe
manda claridade.
Esta
terra é como o vento,
O
vento que, por capricho
Assopra,
às vez, um momento,
Brando,
fazendo cochicho.
Outras
vez, vira o capêta,
Vai
fazendo piruêta,
Roncando
com desatino,
Levando
tudo de móio
Jogando
arguêiro nos óio
Do
grande e do pequenino.
Se
o orguiôso pudesse
Com
seu rancô desmedido,
Talvez
até já tivesse
Este
vento repartido,
Ficando
com a viração
Dando
ao pobre o furacão;
Pois
sei que ele tem vontade
E
acha mesmo que precisa
Gozá
de frescor da brisa,
Dando
ao pobre a tempestade.
Pois
o vento, o sol, a lua,
A
chuva e a terra também,
Tudo
é coisa minha e sua,
Seu
doutô conhece bem.
Pra
se sabê disso tudo
Ninguém
precisa de estudo;
Eu,
sem escrevê nem ler,
Conheço
desta verdade,
Seu
dotô, tenha bondade
De
ouvir o que vou dizê.
Não
invejo o seu tesouro,
Sua
mala de dinheiro
A
sua prata, o seu ouro
O
seu boi, o seu carneiro
Seu
repouso, seu recreio,
Seu
bom carro de passeio,
Sua
casa de morar
E
a sua loja sortida,
O
que quero nesta vida
É
terra pra trabaiá.
Escute
o que tô dizendo,
Seu
doutô, seu coroné:
De
fome tão padecendo
Meus
fio e minha muié.
Sem
briga, questão nem guerra,
Meça
desta grande terra
Umas
tarefa pra eu!
Tenha
pena do agregado
Não
me deixe deserdado
Daquilo
que Deus me deu.
_
O
operário e o agregado
Sou
matuto do Nordeste,
Criado
dentro da mata.
Caboclo
cabra da peste,
Poeta
cabeça-chata.
Por
ser poeta roceiro,
Eu
sempre fui companheiro
Da
dor, da mágoa e do pranto.
Por
isso, por minha vez,
Vou
falar para vocês
O
que é que eu sou e o que eu canto:
Sou
poeta agricultor,
Do
interior do Ceará.
A
desdita, o pranto e a dor,
Canto
aqui e canto acolá.
Sou
amigo do operário
Que
ganha um pobre salário,
E
do mendigo indigente.
E
canto, com emoção,
O
meu querido sertão
E
a vida de sua gente.
Procurando
resolver
Um
espinhoso problema,
Eu
procuro defender,
No
meu modesto poema,
Que
a santa verdade encerra,
Os
camponeses sem terra
Que
os céus desse Brasil cobre,
E
as famílias da cidade
Que
sofrem necessidade,
Morando
no bairro pobre.
Vão
no mesmo itinerário,
Sofrendo
a mesma opressão.
Na
cidade, o operário;
E
o camponês, no sertão.
Embora,
um do outro ausente,
O
que um sente, o outro sente.
Se
queimam na mesma brasa
E
vivem na mesma guerra:
Os
agregados, sem terra;
E
os operários, sem casa.
Operário
da cidade,
Se
você sofre bastante,
A
mesma necessidade
Sofre
o seu irmão distante.
Sem
direito de carteira,
Levando
vida grosseira,
Seu
fracasso continua.
É
grande martírio aquele.
A
sua sorte é a dele
E
a sorte dele é a sua!
Disso,
eu já vivo ciente:
Se,
na cidade, o operário
Trabalha
constantemente
Por
um pequeno salário,
Lá
no campo, o agregado
Se
encontra subordinado
Sob
o jugo do patrão,
Padecendo
vida amarga,
Tal
qual o burro de carga,
Debaixo
da sujeição.
Camponeses,
meus irmãos,
E
operários da cidade,
É
preciso dar as mãos
E
gritar por liberdade.
Em
favor de cada um,
Formar
um corpo comum,
Operário
e camponês!
Pois,
só com essa aliança,
A
estrela da bonança
Brilhará
para vocês!
Uns
com os outros se entendendo,
Esclarecendo
as razões.
E
todos, juntos, fazendo
Suas
reivindicações
Por
uma democracia
De
direito e garantia
Lutando,
de mais a mais.
São
estes os belos planos,
Pois,
nos Direitos Humanos,
Nós
todos somos iguais!
_
Cante
lá, que eu canto cá
Poeta,
cantô da rua,
Que
na cidade nasceu,
Cante
a cidade que é sua,
Que
eu canto o sertão que é meu.
Se
aí você teve estudo,
Aqui,
Deus me ensinou tudo,
Sem
de livro precisá
Por
favô, não mêxa aqui,
Que
eu também não mexo aí,
Cante
lá, que eu canto cá.
Você
teve educação,
Aprendeu
muita ciência,
Mas
das coisa do sertão
Não
tem boa experiência.
Nunca
fez uma boa palhoça,
Nunca
trabalhou na roça,
Não
pode conhecê bem,
Pois
nesta penosa vida,
Só
quem provou da comida
Sabe
o gosto que ela tem.
Pra
gente cantá o sertão,
Precisa
nele morá,
Tê
almoço de feijão
E
a janta de mugunzá,
Vivê
pobre, sem dinheiro,
Trabalhando
o dia inteiro,
Socado
dentro do mato,
De
aprecata currelepe,
Pisando
em riba do estrepe,
Brocando
a unha-de-gato.
Você
é muito ditoso,
Sabe
lê, sabe escrevê,
Pois
vá cantando o seu gôzo,
Que
eu canto meu padecê.
Enquanto
a felicidade
Você
canta na cidade,
Cá
no sertão eu enfrento
A
fome, a dô e a miséria.
Pra
sê poeta deveras,
Precisa
tê sofrimento.
Sua
rima, inda que seja
Bordada
de prata e de ouro,
Para
a gente sertaneja
É
perdido este tesouro.
Com
o seu verso bem feito,
Não
canta o sertão direito
Porque
você não conhece
Nossa
vida aperreada.
E
a dô só é bem cantada,
Cantada
por quem padece.
Só
canta o sertão direito,
Com
tudo quanto ele tem,
Quem
sempre correu estreito,
Sem
proteção de ninguém,
Coberto
de precisão
Suportando
a privação
Com
paciência de Jó,
Puxando
o cabo da enxada,
Na
quebrada e na chapada,
Molhadinho
de suó.
Amigo,
não tenha queixa,
Veja
que eu tenho razão
Em
lhe dizê que não mêxa
Nas
coisa do meu sertão.
Pois,
se não sabe o colega
De
qual maneira se pega
Num
ferro pra trabalhá,
Por
favô, não mêxa aqui,
Que
eu também não mexo aí,
Cante
lá que eu canto cá.
Repare
que a minha vida
É
diferente da sua.
A
sua rima polida
Nasceu
no salão da rua.
Já
eu sou bem diferente,
Meu
verso é como a semente
Que
nasce em riba do chão;
Não
tenho estudo nem arte,
A
minha rima faz parte
Das
obras da criação.
Mas
porém, eu não invejo
O
grande tesouro seu,
Os
livros do seu colégio,
Onde
você aprendeu.
Pra
gente aqui sê poeta
E
fazê rima completa,
Não
precisa professô;
Basta
vê no mês de maio,
Um
poema em cada galho
E
um verso em cada fulô.
Seu
verso é uma mistura
É
um tal sarapaté,
Que
quem tem pouca leitura,
Lê,
mas não sabe o que é.
Tem
tanta coisa encantada,
Tanta
deusa, tanta fada,
Tanto
mistério e condão
E
outros negócio impossive.
Eu
canto as coisa visive
Do
meu querido sertão.
Canto
as fulô e os abróio
Com
todas coisas daqui:
Pra
toda parte que eu óio
Vejo
um verso se bulí.
Se
às vez andando no vale
Atrás
de curá meus males
Quero
repará pra serra,
Assim
que eu óio pra cima,
Vejo
um dilúvio de rima
Caindo
em riba da terra.
Mas
tudo é rima rasteira
De
fruta de jatobá,
De
folha de gameleira
E
fulô de trapiá,
De
canto de passarinho
E
da poeira do caminho,
Quando
a ventania vem,
Pois
você já tá ciente:
Nossa
vida é diferente
E
nosso verso também.
Repare
que diferença
Existe
na vida nossa:
Enquanto
eu tô na sentença,
Trabalhando
em minha roça,
Você
lá no seu descanso,
Fuma
o seu cigarro manso,
Bem
perfumado e sadio;
Já
eu, aqui tive a sorte
De
fumá cigarro forte
Feito
de palha de milho.
Você,
vaidoso e faceiro,
Toda
vez que quer fumá,
Tira
do bolso um isqueiro
Do
mais bonito metá.
Eu
que não posso com isso,
Puxo
por meu artifício
Arranjado
por aqui,
Feito
de chifre de gado,
Cheio
de algodão queimado,
Boa
pedra e bom fuzí.
Sua
vida é divertida
E
a minha é grande pena.
Só
numa parte de vida
Nós
dois samo bem iguá:
É
no direito sagrado,
Por
Jesus abençoado
Pra
consolá nosso pranto,
Conheço
e não me confundo
Da
coisa melhó do mundo
Nós
goza do mesmo tanto.
Eu
não posso lhe invejá
Nem
você invejá eu
O
que Deus lhe deu por lá,
Aqui
Deus também me deu.
Pois
minha boa mulhé,
Me
estima com muita fé,
Me
abraça, beija e quer bem
E
ninguém pode negá
Que
das coisa naturá
Tem
ela o que a sua tem.
Aqui
findo esta verdade.
Toda
cheia de razão:
Fique
na sua cidade
Que
eu fico no meu sertão.
Já
lhe mostrei um espêio,
Já
lhe dei grande consêio
Que
você deve tomá.
Por
favô, não mêxa aqui,
Que
eu também não mexo aí,
Cante
lá que eu canto cá.
_
![]() |
O poeta Patativa do Assaré |
_
A Revista POESIA AVULSA é editada e organizada pelo poeta André Merez [+ informações ]
- LISTA DE AUTORES -
_
Ler Patativa é viajar sobre a cangaia de um jumento rumo a Paris.... É a chiqueza no meio do simples. Como uma flor rara brotando no meio da caatinga. E é .
ResponderExcluirE como disse Patativa; para ser poeta nao precisa ser professor. Bárbaro.
Sobre a Revista PA, so uma palavra; linda!
Que bela definição, minha amiga! Parece-me que você realmente captou o espírito do requinte da poesia do grande mestre. Fico encantado com as palavras deste gênio da literatura popular nordestina, sobretudo, pela forma emocionante com que as palavras dele nos toca e comove ao percorrermos as belezas e as tragédias por ele descritas. Amei vossa definição!
ExcluirDestaco: "Seu verso é uma mistura
ResponderExcluirÉ um tal sarapaté,
Que quem tem pouca leitura,
Lê, mas não sabe o que é."
Às vezes, quem tem muita leitura também. E, no entanto, o verso da Patativa é como o canto da ave: tanto ao letrado quanto ao analfabeto, chega à mente e ao coração. Bom demais!
Grata pela resposta ao meu comentário.
ResponderExcluirMe vi correndo no areião do meu Nordeste. Para ser mais exata; lá do Maranhão.
Sô poeta tumbém.
Sô poeta muié.
Iscrevo que nem muié apaixonada: uma lágrima nar letra e no na boca, uma gargaiada.
Rsrs